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Todas as Manhãs do Mundo (Tous les matins du monde - Alain Corneau, 1991)






“Todas as manhãs do mundo são sem retorno”


O plano inicial soa como um compêndio do filme, câmera fixa em Gérard Depardieu, com iluminação exaltando sua maquiagem carregada e traços de uma face envelhecida e redonda de semblante fatigado e ofegante para rapidamente se transformar no encolhimento de luz e ser absolutamente devorado pela emoção e recordação de seu mestre e real inspiração da música em seu estado mais puro. O primeiro plano por si, demonstra a monstruosa presença de cena de Gérard Depardieu, mas bruscamente o foco muda para seu mestre Monsieur de Sainte Colombe, brilhantemente interpretado por Jean-Pierre Marielle, de interpretação contida e constantemente – exceto por instantes – desprovida de emoção.


Tópicos similares já foram ilustrados durante a história do cinema e dois dos mais prósperos ecoam durante Todas as Manhãs do Mundo: Barry Lyndon pela estética e vocabulário e Amadeus, por motivos óbvios. Independentemente disso, Alain Corneau faz um belíssimo trabalho que traz como protagonista a música e seus impactos na vida das pessoas.


Aqui vemos o contraste de forças opostas similares a Apolíneo e Dionisíaco. Se o mestre eremita – apesar do convívio das filhas – tinha a disciplina e amor absoluto a música (após a morte da esposa), o deleite do pupilo procedia dos prazeres cosmopolitas, prestígio e fortuna. A distância entre mestre e pupilo se intensifica cada vez mais por princípios filosóficos e de integridade, apesar desta ser subjetiva. Interessante o contraponto da mudança tangível e corpórea do pupilo, quando jovem interpretado pelo próprio filho de Gérard Depardieu, belo, de cabelos dourados a um cansado e corpulento, mas bem-sucedido aos olhos de todos, exceto de seu mestre.


Somente quando o pupilo alcança o renome que tanto desejou que compreende que o mestre estava certo sobre o sentido da música. Não é feita para os ouvidos do rei, para a glória, para o dinheiro, para o silêncio. A música está para dizer aquilo que as palavras não podem, para rememorar os tempos simples, para o estado que precede à infância. “É para os mortos”.


Quanto ao mestre, mesmo não sendo testemunhas oculares do amor pela esposa no decorrer do filme, experimentamos seu sublime culto e adoração a esposa e compreendemos que a equivalência a trágica e angustiante dor da perda do amor é a renúncia de tudo, exceto a música.


Em síntese, é fascinante contemplar um filme de Alain Corneau, marcado, até então, por filmes policiais – quase tributos aos Noir americanos – com imensa melancolia e beleza.

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